segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O SÁDICO E O MASOQUISTA.

Noite úmida e quente de sexta feira, o relógio mostra 20h37 para os olhos escuros e ansiosos de Clarice que não vê à hora de chegar em casa para desfrutar o tão esperado final de semana. Passou o dia clamando a Deus para que seu turno acabasse, eis que Ele a ouviu.

Tenta se enganar dizendo que o cansaço vai cessar e a rotina é sempre a mesma, onde aguarda a carona de seus amigos para que juntos possam finalmente exorcizar.
Com milhares de bares, restaurantes e boates por aí, Clarice está sempre em busca do novo, mesmo ciente de que as noites são tão repetitivas que mais parecem cenas de ‘deja vu’ no replay. Mas eis que um amigo mostra algo que parece ouro; convites Vip para inauguração de uma nova casa noturna. Seus olhos brilham e ela não pára de perguntar:
- Somos Vips mesmo?
Bendita seja a sensação de exclusividade no ar, onde todos tem a nítida certeza de que aquela noite será a melhor. Uma certeza tão grande que nem o estacionamento lotado, tão pouco a fila quilométrica, os incomoda.
Duas horas de espera é o suficiente para perderem a paciência e tentarem convencer o segurança da casa:
- Somos Vips!! Esbravejam.
Segurança de boate é como as enormes ondas do mar, por mais que você nade e nade para alcançar o mar adentro, sempre será empurrado para a areia de volta. Isso é segurança de casa noturna. Eles não nos querem lá, mas nós insistimos.
Depois de muito suadouro para conseguir entrar na boate, Clarice se dá conta de que aquele convite vip na valia para muita coisa, exceto para não pagar a entrada que normalmente é infinitamente menor do que o preço de qualquer bebida que escolha no bar.
Ah! O bar... A primeira providencia é molhar a garganta seca e mais uma vez ela se depara com uma multidão enfurecida a sua frente clamando pelo mesmo.
O cara mais poderoso de uma casa noturna é certamente o barman. Diríamos que ele é o senador das baladas, pois é ele quem decide o que, como, quanto e quem vai beber primeiro.
Ela até tenta jogar um charme para um deles, mas é atropelada por cavalos selvagens com camisetas com a seguinte descrição: ‘Eu amo jiujutsu’. E após trinta minutos sendo ‘esmagada’, alcança a ponta do bar e descabelada recebe a atenção de um barman que a atende com um olhar de piedade.
Irritada tenta encontrar o banheiro para recompor a maquiagem e a bexiga. Leva algumas passadas de mão, perde-se em meio de um labirinto e fica meio cega por causa do strobo. Quando finalmente o encontra a sua felicidade é a mesma de ter achado o cálice sagrado, mas é surpreendida por um exército feminino aglomerado fazendo o habitual: Um fórum sobre seus relacionamentos enquanto aguardam a vez.
Percebe que o banheiro masculino flui e isso era tudo que ela mais queria: Agilidade ‘mijatória’. Ela já não sabe mais se o que a irrita naquele momento, são as vozes das 30 mulheres juntas, se é a bexiga explodindo ou se é o DJ ruim que parece estar fazendo exorcismo na pista.
Na pista se vê, por alguns segundos, hipnotizada por um cabelo roxo ‘fluorescente’ quando é surpreendida por um amigo que grita em seu ouvido:
- ELA É MODERNAAAA!!!
Naquele instante Clarice só conseguia se sentir velha...
Chegada a hora de partir, é a hora de encarar a fila para pagar a comanda e bêbado sempre acha que tem preferência em fila de boate. Ciente disso, ela sabe a importância de reservar cada milímetro de espaço dentro dela, exatamente como a baldeação da estação da Sé, qualquer deslize e você não sai daquele lugar tão cedo.
No caminho de volta para casa o assunto é um só: A merda da noite!
Pensativa, murmura:
- A noite é tão sádica...
No portão da sua casa é mais uma vez surpreendida pelo amigo que lhe diz antes de partir:
- Te ligo para saber o que faremos amanhã à noite!
Ela, com um sorriso largo nos lábios, concorda. 
Moral da história: Para todo sádico sempre existe um masoquista. 




domingo, 23 de janeiro de 2011

O DIA QUE NOS DIVORCIAMOS DE NÓS MESMOS.

   
A palavra verdade vem do latim 'veritate'. Em nosso dicionário significa ‘conformidade com o real; exatidão, realidade; sinceridade e boa fé. Coisa verdadeira ou principio certo’. Mas na prática, a verdade é subjetiva, relativa, abstrata.
Para Nietzsche, por exemplo, a verdade é um ponto de vista. Ele não define, nem aceita a definição da verdade porque para ele não se pode alcançar uma certeza sobre isso.
Em suma, ela não existe e está relacionada acima de tudo, com suas crenças, valores, cultura, condicionamento social e psíquico.
Se a verdade não existe porque exigi-la? O que nos move em buscá-la? E por que essa incansável necessidade humana de exigir a verdade do outro? Um confronto que nunca cessa. Seria uma tentativa de fugir de nós mesmos?
De fato, há verdades estipuladas, enraizadas no nosso código genético ou em nossa condição humana, nos programando, codificando para que não escapemos dela. E que verdade é essa?
Uma verdade tão bem contada que nos faz esquecer quem realmente somos.
Uma verdade carregada de paradigmas, exigências, superstições, padrões, regras, patamares e metas quase inatingíveis.
Que verdade é essa que transformou o dinheiro em Deus?
Será a mesma que te provoca em dizer que antes você deve ganhar dinheiro para depois fazer o que gosta? Ou você será punido se fizer algo que gosta sem ganhar dinheiro?
Uma verdade que te faz crer que o merecimento vem com o sacrifício. O sacrifício de abrir mão de ser quem você realmente é.
Uma verdade que se baseia no ter e de certo, as recompensas materiais servem para que de alguma forma nos sintamos gratificados pelo fato de estarmos perdendo o que realmente nos interessa. Talvez seja o tempo que gostaríamos de ter para fazer tudo diferente, para viver de forma mais decente, esquecendo da recompensa por essa vida besta.
Uma verdade tão superficial que faz com que a imitação, a ‘boa política’ e a submissão, seja o nosso único e frágil escudo para enfrentar a exclusão.
O não tentar, com medo do errar, do falso julgamento, eis que vem o atropelo chamado arrependimento.
Seguir caminhos óbvios e já conhecidos é mais prazeroso do que o tortuoso caminho da escolha solitária. Sim, quando ouvimos a nós mesmos e seguimos nossa verdade o caminho se torna as vezes solitário, outras tantas, vulnerável. Mas há a recompensa da leveza, da autenticidade, da real sensação de liberdade, de uma estranha e enorme coragem.
Você é capaz de fugir e fingir para muitas pessoas e por muito tempo, mas jamais será capaz de fazer isso diante de você mesmo e de certo você será sempre o seu pior juiz.
Quando a mascará da perfeição cair esteja atento para se descobrir, para começar tudo de novo.
A vida é curta demais para viver as histórias, os desejos e aspirações dos outros.
Se admita, se liberte, se permita e viva a sua verdade.
Verdade? Que verdade?




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