Noite úmida e
quente de sexta feira, o relógio mostra 20h37 para os olhos escuros e ansiosos
de Clarice que não vê à hora de chegar em casa para desfrutar o tão esperado
final de semana. Passou o dia clamando a Deus para que seu turno acabasse, eis
que Ele a ouviu.
Tenta se
enganar dizendo que o cansaço vai cessar e a rotina é sempre a mesma, onde
aguarda a carona de seus amigos para que juntos possam finalmente exorcizar.
Com milhares de
bares, restaurantes e boates por aí, Clarice está sempre em busca do novo, mesmo
ciente de que as noites são tão repetitivas que mais parecem cenas de ‘deja vu’
no replay. Mas eis que um amigo mostra algo que parece ouro; convites Vip para
inauguração de uma nova casa noturna. Seus olhos brilham e ela não pára de
perguntar:
- Somos Vips mesmo?
Bendita seja a
sensação de exclusividade no ar, onde todos tem a nítida certeza de que aquela
noite será a melhor. Uma certeza tão grande que nem o estacionamento lotado,
tão pouco a fila quilométrica, os incomoda.
Duas horas de
espera é o suficiente para perderem a paciência e tentarem convencer o
segurança da casa:
- Somos Vips!! Esbravejam.
Segurança de
boate é como as enormes ondas do mar, por mais que você nade e nade para
alcançar o mar adentro, sempre será empurrado para a areia de volta. Isso é
segurança de casa noturna. Eles não nos querem lá, mas nós insistimos.
Depois de muito
suadouro para conseguir entrar na boate, Clarice se dá conta de que aquele
convite vip na valia para muita coisa, exceto para não pagar a entrada que
normalmente é infinitamente menor do que o preço de qualquer bebida que escolha
no bar.
Ah! O bar... A
primeira providencia é molhar a garganta seca e mais uma vez ela se depara com
uma multidão enfurecida a sua frente clamando pelo mesmo.
O cara mais
poderoso de uma casa noturna é certamente o barman. Diríamos que ele é o
senador das baladas, pois é ele quem decide o que, como, quanto e quem vai
beber primeiro.
Ela até tenta
jogar um charme para um deles, mas é atropelada por cavalos selvagens com
camisetas com a seguinte descrição: ‘Eu
amo jiujutsu’. E após trinta minutos sendo ‘esmagada’, alcança a ponta do
bar e descabelada recebe a atenção de um barman que a atende com um olhar de
piedade.
Irritada tenta
encontrar o banheiro para recompor a maquiagem e a bexiga. Leva algumas
passadas de mão, perde-se em meio de um labirinto e fica meio cega por causa do
strobo. Quando finalmente o encontra a sua felicidade é a mesma de ter achado o
cálice sagrado, mas é surpreendida por um exército feminino aglomerado fazendo
o habitual: Um fórum sobre seus relacionamentos enquanto aguardam a vez.
Percebe que o
banheiro masculino flui e isso era tudo que ela mais queria: Agilidade
‘mijatória’. Ela já não sabe mais se o que a irrita naquele momento, são as
vozes das 30 mulheres juntas, se é a bexiga explodindo ou se é o DJ ruim que
parece estar fazendo exorcismo na pista.
Na pista se vê,
por alguns segundos, hipnotizada por um cabelo roxo ‘fluorescente’ quando é
surpreendida por um amigo que grita em seu ouvido:
- ELA É
MODERNAAAA!!!
Naquele
instante Clarice só conseguia se sentir velha...
Chegada a hora
de partir, é a hora de encarar a fila para pagar a comanda e bêbado sempre acha
que tem preferência em fila de boate. Ciente disso, ela sabe a importância de
reservar cada milímetro de espaço dentro dela, exatamente como a baldeação
da estação da Sé, qualquer deslize e você não sai daquele lugar tão cedo.
No caminho de
volta para casa o assunto é um só: A merda da noite!
Pensativa,
murmura:
- A noite é tão sádica...
No portão da
sua casa é mais uma vez surpreendida pelo amigo que lhe diz antes de partir:
- Te ligo para saber o que faremos amanhã à
noite!
Ela, com um
sorriso largo nos lábios, concorda.
Moral da
história: Para todo sádico sempre existe um masoquista.